Um galeão passa defronte da Torre de São Vicente de Belém naquele frio Dezembro de 1640. Leva para sempre, da terra onde foi Vice-Rainha, a bela e altiva Margarida de Sabóia, Duquesa Viúva de Mântua. A ambiciosa e impetuosa Senhora há-de ter recordado o dia – precisamente 6 anos antes – em que os seus olhos vislumbraram pela primeira vez aquele baluarte, obra do seu trisavô D. Manuel I. E, naquele olhar derradeiro sobre a cidade e a nação que julgou ser a sua felicidade, há-de ter murmurado um lamento, uma maldição, uma praga:
“ - Agora que a tua bandeira se iça e, independente e soberana, festejas a rejeição da Nossa protecção, governo e Império, chegará o dia em que, neste preciso lugar, comemorarás a tua rendição com iguais fogos de vitória. Da tua actual arrogância nada sobrará, só o baluarte dos meus avós permanecerá!”
Acometidos que fomos - no dia da celebração da Independência e Restauração da Coroa e Independência Portuguesas - pelas celebrações de um tratado imposto e ratificado às esconsas, que retira ainda mais parcelas de soberania aos Estados envolvidos (Portugal incluído), cujo maior feito é a consagração do império das potências sobre as outras nações europeias, erguendo um mundo precisamente inverso ao de Dezembro de 1640, só me ocorre o célebre ditado (em castelhano, pois então!) “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay".
Ver a pompa e circunstancia com que a Constituição Europeia Tratado de Lisboa foi celebrado, dá-me vontade de rir. Riu-me ao pensar que passou á socapa dos cidadão europeus.
Rio-me porque foi chumbado quase todas as vezes que foi referendado.
Rio-me porque uma personalidade cinzenta e com um nome impronunciável, que era até á bem pouco tempo ( ironia das ironias) primeiro-ministro da Bélgica (esse país moribundo, que foi criado apenas para os alemães e ingleses terem um sitio para resolverem as suas diferenças) para ser presidente do Concelho Europeu (tudo isto feito ás escondidas de modo a ser o mais democrático possível como é obvio).
Rio-me porque ninguém percebeu quais são as diferentes competências do concelho e da comissão, o que, como é obvio dará chapada.
Rio-me do ministério dos negócios estrangeiros europeus (ou lá como se chama), que com ou sem baronesa inglesa, será apenas uma instituição pomposa e insignificante, que apenas servirá para distribuir rios de dinheiro por países em conflito.
Rio-me dos que dizem que isto é o nascimento da Europa como grande potencia. Riu-me porque não houve nenhum governo, ou regime, ou nação ao longo da história, construída apesar dos seus cidadãos, que tenha durado muito tempo.
Realmente Napoleão tinha razão: “Uma vez derrotada podes optar entre cobrir-te de serapilheira e cinzas ou folhos”. Os lideres europeus escolheram os folhos.
Entra hoje em vigor um tratado com o nome da nossa capital, facto que alguns elementos da nossa classe política oferecem como motivo de orgulho saloio a cada português nesta época natalícia. Mais orgulhosos deveriam estar, suponho, se os portugueses estivessem devidamente esclarecidos relativamente às implicações desta coisa, e se esse esclarecimento, eficaz e inequívoco, tivesse, por eles, sido feito.
É que não basta atirar com boas intenções para cima da mesa. Não chega fazer passar acriticamente a generosidade desta ou daquela ideia. É preciso saber pesar o que está em causa. E ser consequente com isso.
Mas não consigo deixar de ser condescendente. Quando, para rostos deste novo rumo europeu, se escolhem um senhor belga de cabelo desalinhado e uma baronesa inglesa que ninguém conhece, constato que por cá apenas seguimos os procedimentos normais.
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