A argumentação socialista baseada na colagem literal ao seu programa na questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo – que os levou a recusar propostas de dois partidos nesse sentido há uns tempos e os fez aprovar o alargamento do "casamento" para os homossexuais sem a adopção – pode tornar-se num beco sem saída para o PS.
Vamos imaginar que a inconstitucionalidade da coisa fica provada. O que fará Sócrates? Inclui a adopção e legisla sobre uma situação para a qual – segundo a lógica socialista – não tem mandato para legislar? Ou volta atrás, fazendo aprovar um regime jurídico próprio para estes casos, deixando cair a proposta programática de “remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”?
Num caso como noutro, o argumento oco que os socialistas foram usando como fuga, será o mesmo que os vai fazer cair numa armadilha programática e jurídica criada por eles próprios.
Muitos dos que reclamam o alargamento do casamento civil a casais de pessoas do mesmo sexo para eliminar descriminações relacionadas com a orientação sexual, as tais que, segundo eles, ferem o famoso artigo 13º da Constituição, são os mesmos que discriminam na mesma base quando se trata da possibilidade de esses mesmos casais adoptarem.
Aqueles que sempre desvalorizaram a discussão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, oferecendo-lhe (e convidando outros a fazê-lo) indiferença e alguma repulsa a pretexto do carácter não prioritário da questão, parecem ser os mesmos que agora a querem colocar no centro da agenda mediática, como assunto principal, à custa da realização de um referendo.
Perante a elevada temperatura frequente no aceso debate sobre os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, fica normalmente esquecido um debate mais importante, com mais substância e anterior a qualquer outro tipo de questão desse género. O debate sobre o casamento civil – o próprio, sem adendas – é sempre olhado como desnecessário, como se a sua perfeição fosse um dado adquirido. Não o é.
A união de pessoas em regimes como o casamento bate em idade a sua adopção por entidades religiosas ou até a existência formal de Estados. A transferência deste tipo de prática para a esfera pública, fez nascer uma série de direitos e deveres que todos os casais invariavelmente acabam por adoptar, embora sob a forma de modelos contratuais pré-fabricados, onde a liberdade contratual roça a nulidade.
Seria bem mais interessante, parece-me, atribuir ao Estado um papel meramente instrumental na celebração do contrato de casamento civil, fazendo-o imiscuir-se o menos possível na celebração do mesmo, nomeadamente na generalidade dos termos nele presentes. Por isso, julgo que o momento da celebração do contrato deve ser aproveitado para que as partes (e, nestas, considere-se o Estado praticamente mandado às ortigas) negociem a generalidade das cláusulas que dele façam parte. Os direitos relativos à propriedade e à sucessão, por exemplo, seriam dispostos segundo a livre vontade dos indivíduos em causa, donos do direito de o fazer. Se mais não for, para que se comece a olhar os que celebram este contrato como pessoas livres e responsáveis.
.
.
outros blogs