No seguimento dum post do André Lucas, importa-me abordar alguns aspectos interessantes.
O André levanta uma boa questão, penso é que a aborda pelo lado errado.
Para mim, a questão não tem que ver com "contribuintes a pagar o erro de outros", como o André aponta.
Como sabemos, o SNS é abrangente: eu posso andar de olhos vendados pela rua, cair numa valeta, ir para o hospital e o SNS cobre-me uma grande parte das despesas.
Se acrescentar a isto o facto da minha mãe ser funcionária pública e de eu, dessa forma, ainda beneficiar de ADSE, então praticamente não pagaria nada. Fui irresponsável, e quem pagou, basicamente, foram todos os contribuintes.
Se a questão da irresponsabilidade e do erro não se coloca noutras situações, nesta não me parece que deva ser diferente.
A questão interessa ser pegada, mas por outro lado.
O que interessa de facto discutir é a ilusão e a mentira descarada que os promotores do "SIM" no Referendo lançaram à opinião pública.
De facto, da parte do SIM, quiseram fazer crer que esta era a única hipótese: o aborto sem reservas, quem quer aborta e ninguém controla, ninguém informa, ninguém sensibiliza, ninguém educa.
Porquê? Porque, segundo os arautos do "SIM", as mulheres são todas pessoas de bem, informadas e sensíveis que apenas recorreriam ao aborto por extrema necessidade, por imperativo superior.
Pouco importou que da parte do "NÃO" se encontrassem pessoas que, sendo favoráveis à despenalização do aborto, não se reviam numa postura de total liberalização e desresponsabilização, em suma, não se reviam num convite claro de tornar o aborto num mero e recorrente método contraceptivo.
O facto é que, segundo estudo feito na Maternidade Alfredo da Costa (a maior do país e que reflecte a tendência nacional), 87% das mulheres que abortam não usam contraceptivos.
O facto é que, a maioria das mulheres que foram abortar à Maternidade Alfredo da Costa "não fazia planeamento familiar e mesmo depois do aborto algumas optaram por continuar a não fazer nenhum método contraceptivo"
Onde está o choque das pessoas? Onde estão as coberturas das televisões e as manchetes dos jornais? Onde está o reconhecimento das pessoas que promoveram o "SIM" de que o modelo que preconizavam estava errado e que promove o aborto como contracepção?
Sendo Portugal um país com uma grave crise demográfica, é de espantar que as políticas de natalidade não comecem, precisamente, por uma grande restrição e controlo das prácticas abortivas. Mas Portugal, infelizmente, habituou-nos a espantar pelas piores razões.
As questões financeiras associadas ao aborto, a meu ver, são secundárias ou mesmo inúteis.
A questão é mesmo de princípio:
Concorda com a liberalização total do aborto, se realizado, por opção da mulher, nos primeiros dois meses e meio, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, com total comparticipação pelo Estado e com direito a subsídio de gravidez?
Mas ninguém faz esta pergunta.
Ninguém a quis fazer em 2007, porque talvez aí se arriscassem a que o "NÃO" fosse bem superior aos 40,75%. Desta forma, a pergunta a referendo, «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?», ficou provada que mais não foi do que um engodo.
Mais, o que importa saber é se, depois destes factos todos, o leitor é a favor ou contra a lei actual do aborto.
Alberto Gonçalves, no DN:
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