Sábado, 5 de Dezembro de 2009

Democracia-Cristã, Socialismo e Objectivismo

Alguns liberais, não todos, gostam de pintar a Democracia Cristã (DC) como um socialismo light… Não percebo porquê, mas talvez seja por alguns acharem que o liberalismo é a única inspiração possível para a direita democrática.

Esta crença é facilmente desmistificada tomando, como exemplo, o caso alemão, sueco ou holandês (para não alongar muito a lista).

 

Achar que a DC se limita às encíclicas “Populorum Progressio” e “Rerum Novarum” é bastante redutor. Assim como é redutor achar-se que se tem de ser crente para se ser democrata-cristão.

Não existe incoerência nenhuma. A DC defende o Estado laico, logo, não se vislumbra qualquer obrigatoriedade de se ser crente para se ser democrata-cristão.  Alguém que acredite nos 10 mandamentos terá que, obrigatoriamente, ser crente no deus dos judeus e cristãos?

 

Quando se fala de socialismo e democracia-cristã, comparando as duas, é impossível não apontar que desde o início o socialismo foi anti-capitalista (agora não o será, nomeadamente o intitulado de “socialismo democrático” ou “social-democracia”), equanto que a democracia-cristã nunca o foi.

A DC tem, isso sim, uma visão reformuladora do capitalismo, mas isso não é ser contra, tão somente é ser construtivo. É ser a favor de um aperfeiçoamento, de uma evolução que, na visão democrata-cristã, passa por uma consciencialização de imperativos éticos cristãos aplicados à vida e aos negócios.

 

O liberalismo moderno assenta, em grande parte, no Objectivismo de Ayn Rand que, de certa forma, colidem com alguns pressupostos éticos cristãos.

O problema ético do Objectivismo de Rand assenta no facto de esta ignorar completamente a nobreza ética que constitui a acção de um homem que vise o bem comum dos seus pares e não apenas o seu bem individual. Limita-se a chamar-lhe “altruísmo”, classifica-a como “fraqueza”.

A DC não partilha dessa visão. Acredita num Homem que tenha consciências sociais. O Homem não cria apenas para o seu benefício. Cria também em benefício dos outros, exemplos não faltam durante a História. O Objectivismo de Rand, sendo uma inspiração interessante no que toca a produtividade das sociedades, ignora esse facto.

 

Rand ridiculariza toda a acção “altruísta” por achar que este tipo de acção é contra-natura, é contra o próprio interesse individual. Critica a sociedade que valoriza actos altruístas, intitula-os de uma barbárie de sacrifício individual.

Rand acha que o Homem tem de funcionar sozinho, com a sua mente como única arma e funcionando num sistema de troca justa. Pois acontece que, infelizmente, existem pessoas que nada têm para oferecer para poderem receber algo em troca.

Defender um Estado como pessoa de bem que ajude a aliviar a pobreza não é ser-se socialista. A DC não o é e defende-o pelo menos. O importante é perceber que existe uma diferença entre um altruísmo para "ajudar a levantar" e um altruísmo que cria dependência e sustenta a pobreza.  A DC vê a compaixão como um bem, mas em Rand não existe o enaltecimento da compaixão, existe o enaltecer do “egoísmo” e por isso, pelos parâmetros democratas-cristãos, existe essa falha moral/ética.
 

 

“Altruism permits no concept of a self-respecting, self-supporting man—a man who supports his own life by his own effort and neither sacrifices himself nor others … it permits no concept of benevolent co-existence among men … it permits no concept of justice”

- Aynd Rand, “Virtue of Selfishness”

Talvez a grande problemática é que Rand e os Objectivistas decidem dar às palavras “egoísmo” e “altruísmo” um significado mais produndo de filosofia de vida. Todos nós somos egoístas em algumas coisas e altruístas noutras. Por isso, não se vê grande interesse (para além de meramente académico) em estar a dar novas definições a essas palavras.

 

A grande questão, que é mais "palpável" a nível político, é a do papel do Estado. Se o Socialismo acredita na pureza do Estado omnipresente, o Liberalismo acredita na pureza do indivíduo e, em teses mais radicais, no fim do Estado. A história já provou que a Sociedade sofre quer com o Estado sufucante e dominador, quer com o Estado não regulador que acredita cegamente na ética de cada indivíduo.

Por isso a Democracia-Cristã acredita no meio termo.
Acreditar que só o Estado sabe gerir é utopia.
Acreditar que os indivíduos, sozinhos e sem regras, gerem bem, é outra utopia.

Aqueles liberais que se recusam a admitir as falências e as falhas dos modelos económicos extremamente liberais de alguns países e continuam a advogar, dogmaticamente, a pureza do mercado livre e desregulado, assemelham-se aos Comunistas que também recusaram (e ainda recusam) perceber a falência do modelo que preconizavam.

Algumas coisas não são preto ou branco, têm intermédios e o centro-direita é um espaço grande que aguenta bem com convivências, saudáveis até, entre democratas-cristãos e liberais (que resultam bem noutros países) que, visto bem as coisas, inspiram-se e "controlam-se" positivamente. 

 

O Homem não é bom por natureza. A Democracia não é perfeita.

A esperança reside em que haja um Estado de Bem, composto, logicamente, por Homens de Bem, que equilibre a balança entre altruísmo e egoísmo sem interpretações utópicas e dogmáticas de socialismos e liberalismos.

publicado por Luís Pedro Mateus às 19:44
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17 comentários:
De Nuno Silva a 8 de Dezembro de 2009 às 18:28
Luis Pedro, isto "Por isso a Democracia-Cristã acredita no meio termo." desde logo diz muito...

Mas a defesa da Democracia Cristã como sendo de direita é dúbia...exceptuando no México, a Democracia Cristã na América latina é, efectivamente de esquerda...os exemplos nórdicos são óptimos...mas não comparo a Democracia Cristã alemã com a portuguesa...muito menos com a latina americana. São muito diferentes. Nas acolho bem a democracia cristã na direita...infelizmente não toda!


De Luís Pedro Mateus a 8 de Dezembro de 2009 às 23:08
Nuno,

A DC não está fixa. Principalmente no plano económico, pode variar.

Defende o capitalismo e o Estado Social, ponto.
A partir daí pode andar para a esquerda ou para a direita, mais Estado ou menos Estado.. Tudo depende da tradição em cada país, convenhamos.

O que me parece óbvio é que a DC está, no caso Europeu pelo menos, perfeitamente implantada do espectro do centro-direita.
Ora, em Portugal, muita gente advoga que a única inspiração possível para a direita portuguesa deveria ser o liberalismo, por ser a única não socialista. Isso é mentira, a DC (como se vê no panorama alargado europeu) também ocupa esse espaço e nunca foi socialista.


De Tiago Loureiro a 8 de Dezembro de 2009 às 23:47
Não diria que é a única, mas é certamente a mais importante. Seria fundamental uma inspiração claramente liberal para a direita portuguesa, sem equívocos e complexos, para fazer frente a condicionalismos históricos e partidários com contornos demasiado socialistas no nosso país. Dos cinco partidos parlamentares, quatro são socialistas (uns mais, outros menos) e os 35 anos de democracia impingiram-nos um Estado Social assassino. A DC, ainda que, também ela com uma forte inspiração liberal à boa maneira europeia, se pudesse posicionar à direita, corre o risco de ser demasiado frágil para provocar a ruptura necessária. Por muito que te custe, a formatação das preocupações sociais da DC, por exemplo, está relativamente próxima da do socialismo.


De Luís Pedro Mateus a 8 de Dezembro de 2009 às 23:58
Não me custa que esteja. Isso seria engatar no post que fiz. Acho que a caridade deve ser um valor preservado, e o Estado também deve cumprir a sua parte nas preocupações sociais.

Claro que, pelo bem do país, acho que estas preocupações devem ser sempre de modo a "levantar" e não a profissionalizar o laxismo. Por isso sou contra esta liberalização dos subsídios, etc...

Agora, por defender solidariedade social e regulação do mercado faz da DC socialista? Porque não vice-versa? Não percebo a lógica sinceramente, é cair no erro de dar razão à esquerda quando diz que quem tem preocupações sociais é ela! Chamo novamente atenção para o exemplo de algumas concordâncias entre anarquistas e alguns liberais... Poderei por aí, inferir que os liberais tendem para a anarquia? Não me parece...

No meu ver querer colar rótulos de socialista a coisas que não o são é fazer a figura que os comunistas fazem ao chamar de fascistas simplesmente a quem não é comunista. Serão reflexos? :)


De Tiago Loureiro a 9 de Dezembro de 2009 às 00:06
Eu não disse que era socialismo. Mas, convenhamos, há coisas em que se aproximam. Nomeadamente na formatação das preocupações sociais - e não na posse de preocupações sociais, per se; apesar de tudo, o liberalismo também as tem.

Já agora, não é raro um socialista justificar os seus excessos sociais (que acabam por fomentar o tal laxismo) como uma forma de "levantar". Mais uma vez, não estou a colocar-te no saco deles; estou a chamar a atenção para uma aproximação perigosa...


De Luís Pedro Mateus a 9 de Dezembro de 2009 às 00:12
Agradeço a preocupação pelas aproximações ao socialismo, mas são infundadas garanto-te. :) Nunca serei socialista.

Como são infundadas, igualmente, espero, a preocupação pelas aproximações ao anarquismo! ;) Sei que nunca serás anarquista.

Concordemos em discordar pelo menos. :)




De Miguel Madeira a 9 de Dezembro de 2009 às 10:17
Realmente, o liberalismo é uma ideologia muito importante... Vê-se por esse mundo fora...


De Nuno Silva a 8 de Dezembro de 2009 às 23:32
Sim, é verdade...na Europa, todas eles no PPE, os partidos DC estão posicionados à direita (o que n lhes vale de, de vez em quando, terem posições que considero socialistas...o CDS cá já as teve em minha opinião.)

Aquilo que quis passar com o meu comment é que, realmente, a DC não única e exclusivamente de Esquerda. E não acho que seja pela história dos países, mas por circunstancias da vida política de quando se formaram e dos seus intervenientes...o CDS é exemplo disso como nos conta Freitas do Amaral!


De Luís Pedro Mateus a 8 de Dezembro de 2009 às 23:41
Nuno,

Nem CDS nem Democracia-Cristã foram alguma vez socialistas.

Tanto quanto sei, o Socialismo não é o proprietário da ideia de um Estado com preocupações sociais. Esse é o erro em que se incorre: achar que a esquerda é a dona das preocupações sociais, e do "outro lado" está a direita.

Ora, a DC nunca foi socialista, defende o capitalismo e a liberdade individual, do Estado ao serviço do Indivíduo e não o contrário... Se poderá ter em comum ao socialismo as preocupações sociais? Tem-no. Mas isso não faz dela socialista.

Pela mesma lógica, pelo liberalismo mais radical defender o Estado mínimo e, em certos casos, o fim do Estado, e pelos libertários anarquistas também defenderem o fim do Estado... então poderei dizer que o liberalismo às vezes é anarquista? Não me parece correcto igualmente.


De Nuno Silva a 8 de Dezembro de 2009 às 23:50
LP, n disse que o CDS e a DC são socialistas, disse que o CDS já teve posições que considero socialista...e a DC tem pontos em que é socialismo....para mim a defesa do Estado Social é socialismo...ser fã de uma certa regulação de mercado é socialismo mesmo que lhe chames Economia Social de Mercado...


De Luís Pedro Mateus a 9 de Dezembro de 2009 às 00:01
Nuno, o que cada um acha é consigo... :D

Como te disse, eu posso começar a achar que o liberalismo é anarquismo, isso não faz com que esteja correcto.

O PCP também considerou o CDS fascista, portanto... para a esquerda algumas posições do CDS foram fascistas, para mais à direita, algumas posições do CDS foram socialistas... São pareceres. Mas parecem-me errados. :)


De Beatriz Soares Carneiro a 9 de Dezembro de 2009 às 18:21
Ainda há uns dias um liberal alemão dizia que "democratas-cristãos são socialistas que vão à igreja". Achei alguma graça à definição (que ele aplicava à CDU alemã), pq apontava, claramente, para algumas semelhanças entre a Democracia Cristã (DC) e o socialismo. Não serão a mesma coisa, mas têm princípios e preocupações comuns. Para além disso, parece-me que localizar a DC à direita não é óbvio. Assim parece resultar do xadrez político europeu, mas na América latina acontece exactamente o contrário e, na minhaopinião, talvez a melhor definição para os DC seja considerá-los "centristas".

Historicamente, a DC nasce da doutrina social da Igreja (DSI), a qual não pode ser definida como sendo de esquerda ou de direita. A DSI, se bem a lerem, condena tanto o comunismo como o capitalismo (embora em graus diferentes) e propõe uma terceira via. Situa-se, portanto, equidistante de ambas as visões do mundo. Por isso mesmo, o CDS, Democrata-Cristão na sua génese, era um partido centrista, situado entre o PS e o PSD. Leiam o que escrevia Freitas do Amaral à época (e ainda hoje diz) e vão perceber claramente que o CDS não nasceu como um partido de direita - daí o seu nome, Centro Democrático Social.

Por isso mesmo, eu, liberal confessa, não acredito nas virtualidades de um grande partido exclusivamente DC para a direita Portuguesa. Tal como o Tiago, acredito que só um pensamento liberal pode sustentar uma direita moderna e abrangente e fazer face à crescente socialização do país. Um liberalismo, contudo, refreado pelas correntes conservadoras e democratas-cristãs que sempre existiram no CDS e que fazem todo o sentido existir, até para nos porem, a nós liberais, alguns limites na nossa visão libertária do mundo.


De Luís Pedro Mateus a 9 de Dezembro de 2009 às 18:51
Olá Beatriz,

esse comentário daria um bom post. ;)

Não vale a pena comentar a introdução à democracia-cristã pois ela está, obviamente, correcta.

Sinceramente, de dizer que "DC e socialismo têm preocupações comuns", que é óbvio, vai ainda uma grande distância até a DC ser socialismo ou o socialismo ser DC. Por isso, o que dizes parece-me ser, como tenho vido a dizer aliás, o mais aceitável. Há coisas em comum, mas muitas coisas que as distinguem. Assim acontece com todas as ideologias.

Para finalizar, aproveito para dizer que eu, como tu, não acredito nas virtualidades de um partido exclusivamente DC para o centro-direita (e não apenas direita) português. Da mesma maneira que não acredito nas virtualidades de um partido exclusivamente liberal.
Sempre achei que a mais valia do CDS é precisamente essa: o convívio entre democratas-cristãos e liberais clássicos que, mutuamente, se influenciam, inspiram e limitam.




De Rafael Rodrigues Centeio a 10 de Dezembro de 2009 às 19:07
Ayn Rand, ao que tudo indica, esteve envolvida em rituais satânicos.
Típica liberal que acredita que o mercado resolve tudo. Ela, assim como Milton Friedman, Rothbard e outros, recusam-e a submeter o mercado a certos princípios éticos. Sendo assim, havendo clínicas de aborto privadas e gente querendo abortar, não existe problema nenhum no procedimento. A própria manifestação contra o aborto passa a ser encarada como uma afronta a economia de mercado.


De Pedro Moreira a 13 de Maio de 2010 às 23:54
1. Acho que falas em altruísmo quando te referes à esquerda. Não acho que a palavra seja propriamente indicada no contexto da esquerda: a política de subsídios e de lançar dinheiro fora nasce mais do facto que a esquerda acredita que cada Homem tem de forma inerente direito a essas ajudas. A direita, como o disseste e bem, nasce do "noblesse oblige" do conservadorismo que advoga que temos de ser altruístas e que temos o dever de ajudar o mais desfavorecido. Disraeli e Bismarck, conservadores, foram os primeiros, antes da esquerda, a começarem estas políticas de ajudas.
A democracia-crista acredita também na justiça social do Rerum Novarum. Há portanto algo de origem de esquerda na democracia-crista.

2. Acho que não falas muito do principio de subsidiaridade, que é uma pedra angular da democracia-crista: proximidade com o povo e eficiência burocrática.

3. Na minha opinião, o Homem é fundamentalmente bom e tem uma apetência ao mal. Com efeito, todos achamos que fazemos bem quando fazemos algo de mau. Somos bons... mas não temos noção de quando é que o somos verdadeiramente.

http://alunosdoliberalismo.blogs.sapo.pt/


De Luís Pedro Mateus a 14 de Maio de 2010 às 02:07
1. Nunca falo de altruísmo em relação à esquerda. Falo precisamente contra esse mesmo conceito: de que uma valorização do altruísmo e as preocupações sociais não são, necessariamente, de esquerda ou de direita. São meramente pressupostos éticos e morais. O que acontece é que alguns sectores liberais (os objectivistas, mais precisamente) dizem que o altruísmo é uma característica do socialismo e, por isso, gostam de chamar à Democracia Cristã de "socialismo light "... Já não é a primeira vez que acontece pelos lados d'O Insurgente.

2. É um facto que não falo. O post , aliás, não pretende ser uma descrição da Democracia Cristã... surge, isso sim, como resposta a alguns mal entendidos que gostam de equiparar a Democracia Cristã ao Socialismo.

3. Não concordo totalmente. Depende de quem estamos a falar. Está já provado que há indivíduos com propensão para o mal, que sabem que o estão a praticar e gostam. Claro que são doentes, óbvio. Mas se for no contexto democratas cristãos vs. socialistas vs. objectivistas, obviamente que a questão não se pode por em termos de bem vs. mal, isso seria extremamente redutor...

Cumprimentos


De Jogos Online a 2 de Dezembro de 2010 às 08:12
Excelente Post, Obrigada, Paula


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