Quinta-feira, 20 de Maio de 2010

A República

 

Quase 100 anos se passaram desde que foi declarada em Portugal a República.

Quase 100 anos volvidos, impera fazer uma reflexão abrangente sobre o que significa a República como conceito de forma de governo, o que significou ela em Portugal e abordar igualmente as paixões que o debate República vs. Monarquia ainda suscita.

 

Todo o debate que se faz à volta da questão "República ou Monarquia?" frequentemente desemboca numa série de argumentos inconsequentes que mais não fazem do que arredar da discussão os factos que interessam, de facto, discutir.

Tentar justificar uma opção pró-Monarquia fazendo uma apologia da "estabilidade" desse tipo de governo e uma condenação dos crimes das revoluções republicanas e dos defeitos das novas repúblicas é tão inútil como justificar uma opção pró-República usando o mesmo tipo de argumentos assentes mais em erros pontuais de regime e inerentes a cada caso particular do que em filosofia política concreta.

Estas duas correntes de debate, apesar de exaltarem paixões, nada mais fazem do que se limitarem a sofismar.

 

Bem se sabe que hoje em dia, pelo menos na sociedade ocidental, já não se fala de monarquia absoluta. Fala-se de monarquia representativa e democrática, como é o caso espanhol, britânico, holandês, belga, luxemburguês, dinamarquês, sueco e norueguês. Nesta altura, o recorrente debate de sofismas que exalta algumas pessoas poderia conduzir logo para o aparecimento de argumentos pró-monárquicos, de que todos estes países são países extremamente desenvolvidos (mais desenvolvidos do que a República Portuguesa) e de argumentos pró-republicanos, de que estes países representam uma minoria e que existem repúblicas (como a francesa e a alemã) que são tão, ou mais desenvolvidas do que os enunciados países monárquicos.

 

A República, nas suas diversas formas de governo democrático, e é aqui que importa centrar a discussão (e não em repúblicas totalitárias), apresenta um conceito de democracia mais evoluído na questão da posição de Chefe de Estado. De facto, na República, o Chefe de Estado é alguém eleito directamente pelo povo e aberto a qualquer cidadão apto, ao contrário da Monarquia, em que é um órgão não sujeito a eleição e que só pode ser ocupado por alguém que pertença à linhagem de uma determinada família. Neste aspecto, e tão somente neste, se pode falar dum conceito mais evoluído de democracia: não existe um direito natural e pré-adquirido de uma pessoa a um órgão de soberania do Estado.

 

Vivemos numa República que foi declarada de uma forma atabalhoada e anárquica, com a ignorância da população, e que foi bem sucedida mais por inércia e inaptidão do Estado da altura do que por valor e organização das facções republicanas. Tentar pintar a 1ª República como um regime libertador e democrático é, para qualquer pessoa que conheça o mínimo de história, extremamente ridículo e insultuoso ao próprio conceito de democracia. De facto, tentar dizer que um regime em que se prendia sem mandato, se executavam opositores, onde a justiça era inexistente e na rua reinava (ironia das ironias) o caos e anarquia, é, no mínimo, passar um atestado de estupidez às pessoas ou um exercício de senilidade aguda só ao alcance do Dr. Mário Soares.

Estabelecendo o facto de que Portugal só se tornou uma República democrática depois do 25 de Abril de 1974 (25 de Novembro de 1975, de facto) torna-se um pouco inconsequente, nos dias de hoje, discutir se Portugal deveria ser uma Monarquia ou continuar uma República, baseado no facto de não ter havido uma consulta popular. Quase tão inconsequente como discutir se Portugal deveria ter declarado (sem consulta popular), no 1º de Dezembro de 1640, a sua restauração de independência face a Espanha ou discutir se D.Afonso Henriques deveria ter declarado (sem consulta popular) em 1139 a independência de Portugal face ao Reino de Leão e Castela. Portanto, defender a realização de um referendo sobre se Portugal deverá ser uma Monarquia ou uma República é tão relevante, a nível de justiça histórica, como um referendo sobre se Portugal deverá fazer parte de Espanha ou como um referendo sobre se Portugal deverá ser uma ditadura ou uma democracia. Qualquer decisão que adviesse do referendo seria, de facto, uma decisão democrática, mas nem por isso eticamente aceitável.

 

A democracia não é um conceito linear e absoluto. Em nome desta não se deve cair na tentação de, permitam-me a expressão, "retroceder" em direitos de maior abrangência democrática. De certa forma, e já tinha abordado isto noutra análise, a democracia pode funcionar numa lógica anti-democrática ao atentar contra ela própria. Exemplo desta permissa seria um referendo à ditadura em que, numa decisão democrática, se acaba com a democracia.

Não querendo, de forma nenhuma, estar a comparar a Monarquia com a ditadura (e só quem não leu bem é que poderá assim interpretar), o que quero dizer é que, tratando-se a República democrática de um conceito mais abrangente da participação democrática e dos direitos dos cidadãos na "coisa pública" (definição de República, Res Publica), um referendo que pretenda limitar (mesmo que de uma forma bastante ténue) esses direitos seria, apesar de veicular uma decisão democrática, um retrocesso factual do conceito democrático existente.

publicado por Luís Pedro Mateus às 21:32
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Quinta-feira, 15 de Abril de 2010

A bandeira de Portugal

Um dos aspectos simbólicos mais pungentes e tristes do golpe republicano em Portugal prende-se com a mudança da Bandeira Nacional, um acontecimento que ilustra, como iremos ver ao longo destas linhas, o facciosismo irracional e o fundamentalismo ideológico dos seus mentores. As fontes oficiais remetem erroneamente para um pretenso simbolismo associado às cores adoptadas:

A bandeira tem um significado republicano e nacionalista. A comissão encarregada da sua criação explica a inclusão do verde por ser a cor da esperança e por estar ligada à revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891. Segundo a mesma comissão, o vermelho é a cor combativa, quente, viril, por excelência. É a cor da conquista e do riso. Uma cor cantante, ardente, alegre (…). Lembra o sangue e incita à vitória.

Ora, nada disto é verdade. As cores da bandeira que teoricamente decorreu de um concurso de ideias - o qual deveria ser plebiscitado e, posteriormente, aprovado na Assembleia Constituinte - foram as dos “patrocinadores do golpe revolucionário”: o Grande Oriente Lusitano e a Carbonária, cujos estandartes se elucidam nas figuras que se seguem.

 

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Figura 1 - O estandarte do Grande Oriente Lusitano

 

A verdade é que esse concurso de ideias em que as propostas mais coerentes, provenientes de muitos republicanos, passavam pela natural manutenção das cores nacionais, o azul e o branco, foi pura e simplesmente ignorado e bandeira imposta fazia tábua rasa do bom senso e das regras básicas da heráldica.

bandeira_carbonaria.jpg
Figura 2 - A Bandeira da Carbonária

 

Na prática, a forma republicana de resolver a questão da bandeira foi semelhante àquela que eles usaram para resolver outras questões: as eleições para a Assembleia, com esquemas que fariam corar de vergonha a “Ignóbil Porcaria”; a censura prévia – que não existia formalmente porque o «bom povo republicano» empastelava – expressão revolucionária utilizada na altura -todos os órgãos de comunicação social que tivessem simpatias monárquicas, etc.

 

As alterações de regime na mudança das cores nacionais

 

Na Europa, sobretudo após os conflitos mundiais, foram vários os países que alteraram – na maior parte dos casos por razões exógenas – a sua forma de regime. Mas em nenhum dos casos – ou em quase nenhum, como iremos ver mais à frente – a mudança de regime determinou a alteração das cores da bandeira.

 

Albânia

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Embora com alterações a nível da figuração da águia bicéfala, a bandeira albanesa estabilizou-se ainda na altura da sedimentação política do Principado, ainda em 1914, ganhando a forma que se pode encontrar na representação do lado esquerdo: a águia bicéfala sobre o campo vermelho. Quando a Albânia se tornou numa república socialista, após a II Guerra Mundial, alterou-se o símbolo real trocando-a por uma estrela de cinco pontas.

 

Áustria

austria.jpg

No caso austríaco – não considerando aqui a bandeira desenhada por ocasião da formação do Império Austro-Húngaro que, na prática, era constituída pela justaposição das bandeiras dos dois países – mantém-se o paradigma: as cores dominantes da bandeira mantêm-se, alterando-se o escudo real pela águia – que, curiosamente, se mantém coroada.

 

Hungria

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Na Hungria, que passou a república logo após a I Guerra Mundial, a bandeira sofreu algumas modificações mas sempre na representação central: perdeu o escudo e a coroa, em 1920. Ganhou de novo o escudo, com a cruz de Santo Estêvão, em 1940 e a infeliz sovietização do país não lhe roubou as cores nacionais, alterando-se apenas a representação central, digna dos cânones dogmáticos gráficos do comunismo: o martelo, o trigo e a estrela de cinco pontas. Actualmente a bandeira é a da esquerda, sem os anjos

 

Itália

italia.jpg

Em Itália, o exemplo é ainda mais singelo. Após a II Guerra Mundial, num plebiscito que foi caracterizado pela fraude, a monarquia foi abolida e as armas da Casa de Sabóia foram retiradas do campo branco da bandeira.

 

Bulgária

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A Bulgária foi outro dos países anexados administrativamente pela União Soviética após a conferência de Ialta. Os comunistas mantiveram as cores da bandeira, colocando na faixa branca, junto à tralha, o seu grafismo ideológico.

 

Roménia

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Também na Roménia, o mesmo fenómeno se verificou. Foram retiradas as armas reais do campo amarelo e colocado o novo escudo comunista do país, após a deposição do Rei Miguel.

 

Brasil

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Até o nosso país-irmão, o Brasil, que transitou ingloriamente para a República em 1889, conservou as cores nacionais retirando apenas as armas imperiais do centro.

 

Os exemplos da mudança

 

Na Europa do século XX, há poucos registos de mudança das cores nacionais das suas bandeiras, decorrentes de alterações de regime. Os exemplos mais gritantes, pelo que representam de intolerância e de fundamentalismo ideológico, são dados pela Alemanha nazi e pela revolução soviética:

 

Alemanha

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Na Alemanha, a tricolor que nasceu aquando da formação do Império Alemão foi esquecida e a ascensão de Hitler deu azo à criação de uma nova bandeira, em 1935. Após a II Guerra Mundial os alemães recuperaram a tricolor do Império Alemão e até a Alemanha Comunista manteve essa coerência, colocando-lhe no centro os símbolos da orientação ideológica comunista.

 

Rússia

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A Rússia Imperial que claudicou em 1917 deu lugar à União Soviética. Aqui também não houve respeito pelas cores nacionais e o Partido Comunista Soviético impôs os seus próprios símbolos como símbolos nacionais. Com o fim da União Soviética, a Rússia recuperou a sua bandeira tradicional e até usa a “águia bicéfala czarista” como símbolo nacional.

 

Portugal

portugal.jpg

Em Portugal, as cores azul e branco foram instituídas por decreto das Cortes Gerais da Nação de 22 de Agosto de 1821, na sequência da revolução liberal do ano anterior. Com o golpe republicano, o pior dos cenários verificou-se o que, em certa medida, não surpreende porque a revolução fez-se com a esquerda das esquerdas.

 

Via Centenário da República, José Barros Rodrigues

publicado por Manuel Aranha às 16:38
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